segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Pedro e Paula, de Helder Macedo (Set/2013 -autores portugueses contemporâneos)

Resenha de Ana Britto

Através de minha irmã caçula, apreciadora da literatura portuguesa, cheguei a Helder Macedo, crítico literário e catedrático de Camões no King’s College, em Londres, que se tornou um autor aclamado tanto pela crítica quanto pelo público com este e outros livros. Fama merecida porque, pelo que vi neste primeiro livro que li, além da estória ser instigante e interessante a maneira como ele a conta nos faz pensar não só porque traz muitas referências contemporâneas mas também porque joga luz sobre acontecimentos recentes e até ainda presentes em nossas vidas.

Pedro e Paula são irmãos gêmeos nascidos em 1945, logo após o final da Segunda Guerra Mundial, completamente diferentes um do outro não só fisicamente mas psicológica e emocionalmente. E que, mesmo sendo muito amigos desde sempre, viverão controvérias ao longo da vida que já se anunciavam naquele momento inicial. Assim como Helder Macedo, os gêmeos passaram sua infância e adolescência em Moçambique, antes da independência do país, enquanto era colônia de Portugal e se mudaram para Lisboa no início da juventude, ao ingressar na Faculdade de Medicina (Pedro) e Escola de Belas Artes (Paula). E se tornaram adultos naqueles efervescentes anos ’60, participantes das revoluções de maio de 68 em Paris, Lisboa e Londres. Toda a história política de Portugal e suas colônias, assim como a relação com o Brasil, especialmente e outros países é pano de fundo da estória de vida dos gêmeos.

O autor/narrador nos conta a estória de Pedro e Paula como um conhecido que encontramos num bar ou num café, fazendo comentários sobre o ambiente social e o comportamento das personagens, apresentando justificativas pelo relato demorado em certas situações, explicitando as conexões com os acontecimentos da época e ao final, nos atualizando sobre a situação de cada um dos personagens do livro. E tudo isso, munido de uma fina ironia que nos remete um pouco a Machado de Assis, que ele cita algumas vezes como aqui, em que diz que (ele)”encontrou aquela maneira muito especial de falar do que é no modo condicional, dizendo ao mesmo temppo o que poderia não ser e portanto poderá viar a ter sido, como Deus nos anos 60.”

domingo, 22 de setembro de 2013

Contágio Criminoso, de Patrícia Cornwell (Agosto/2013 - Vingança)

Contágio Criminoso - Patrícia Cornwell

Adriana V. F. da Silva

Este romance policial é o oitavo de uma série protagonizados pela médica-legista Kay Scarpeta. A história começa quando um cadáver é encontrado no meio do lixo, num aterro sanitário da Virgìnia(USA). Detalhes como a amputação habilidosa da cabeça e dos membros indicam que o autor do crime sabe lidar bem com ferramentas para autópsia. A narrativa tem muitos detalhes técnicos, o que deixa a leitura um pouco lenta, depois que vc se acostuma, desenvolve-se num ritmo mais intenso, ficando melhor do meio para o fim. O final para mim foi surpreendente. A Doutora Kay Scarpeta lembra muito o protagonista da série CSI.

terça-feira, 3 de setembro de 2013

O Clube das Desquitadas, Olivia Goldsmith (Agosto 2013: Vingança)

Resenha de Ana Britto

O título original deste livro, em ingles, é The First Wives Club, que numa tradução mais literal poderia ser O Clube das Primeiras Esposas ou O Clube das Ex-esposas. O interessante é que esta versão brasileira é bem adequada à nossa realidade, à nossa cultura. Porque este livro é de 1992 e o divórcio no Brasil, do jeito que é nos Estados Unidos, permitindo que as pessoas se separem e se recasem quantas vezes quiserem, sem nenhuma exigência de prazos nos intervalos, só foi estabelecido de fato em 2009. Antes era necessário ou um ano de separação judicial em casos expressos na lei ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. E este intervalo, entre a separação e o divórcio era o desquite, que seria futuramente, uma vez vencido este prazo estipulado em lei, convertido em divórcio.
A estória das amigas ricas e cinquetonas Elise, uma famosa ex-atriz, Brenda, contadora que conhece algumas estratégias contábeis não convencionais, digamos assim, e Annie, mãe afetuosa e aspirante a escritora, que após lerem a carta póstuma de Cynthia resolvem se juntar para punir o abandono dos quatro ex-maridos parece meio estereotipada mas só que não. Infelizmente numa sociedade machista e de super valorização da juventude ainda se vê por aí de montão a troca de mulheres maduras por ninfetas deslumbradas como “troféus”, como diz a autora, como sinal de sucesso e de distinção de homens maduros. Elise, Brenda e Annie se reúnem, nomeiam os pontos fracos de seus ex, fundam o clube, estabelecem seus objetivos e criam estratégias para alcança-los.
A leitura deste livro proporciona aquela sensação de vingança, de justiça feita, um pouco parecida com a satisfação obtida nos filmes de Tarantino. Só que aqui, no livro, não há sangue nem tiros, tudo é muito bem feito e exclusivamente dentro da lei. O castigo supremo é a publicação do próprio livro em questão, narrando toda a batalha e os detalhes sórdidos dessa luta.

O vermelho e o negro, Stendhal (Jul/2013 - Cor ou cores no título)

Resenha de Ana Britto

Livro curioso este, com citações clássicas antes de cada capítulo, que a mim causaram mais estranheza do que compreensão, mas que me impressionou pela crítica à hipocrisia generalizada na sociedade. A descrição das estratégias e dos raciocínios maquiavélico dos personagens fizeram com que este romance estivesse presente também na lista de romances psicológicos.
Julien Sorel sonhava em ser soldado de Napoleão, a quem idolatrava, mas acaba tornando-se padre, carreira destinada aos inteligentes e estudiosos. Ele era um rapaz bonito e extremamente pobre e soube aproveitar as oportunidades que lhe foram oferecidas, tornando-se respeitado. Suas observações sobre a vida da corte, sobre as pessoas são marcantes, assim como seu plano para conquistar a mulher desejada, quase que por puro capricho. Mas é o velho ditado de que o feitiço pode virar contra o feiticeiro que vinga. Ao conquistar a mulher desejada, que por acaso também era proibida, ele se torna refém de avassaladora paixão. E após reviravoltas mil essa paixão acabará por destruí-lo.
Embora esta estória se situe num período histórico distante (após a Revolução Francesa), as observações de seus personagens sobre os acontecimentos sociais e seus personagens é surpreendentemente atemporal. Como por exemplo este parágrafo da versão da coleção Imortais da Literatura Universal, da Nova Cultura,  tradução de Maria Cristina F. Da Silva, na página 258:
“Tal é ainda, mesmo neste século aborrecido, o império da necessidade de se divertir que, mesmo nos dias de jantares, mal o marques abandonava o salão, toda a gente desaparecia. Contanto que não se brincasse nem com Deus nem com os padres nem com o rei nem com os artistas protegidos pela corte nem com tudo que é estabelecido;  contanto que não se falasse ....... do que parecesse liberdade de opinião;  contanto que, sobretudo, não se falasse nunca de política, podia-se livremente discorrer sobre qualquer coisa.”

Perto do coração selvagem, Clarice Lispector (Jun/2013 - Romance Psicológico)


Resenha de Ana Britto

Este foi o primeiro livro publicado da autora e causou um rebuliço na crítica literária. Eu que só havia lido livros infantis dela (e olha que possuo o livro desde o ano de 2000, presente de aniversário de pessoa querida) tive um choque com esta leitura. Porque Clarice escreveu este livro quando tinha dezessete anos! Como pode ser que uma garota tenha conhecimento de todo aquele mundo de uma mulher? Tantas emoções, dúvidas, sobressaltos, sonhos, devaneios...
Joana, uma mulher casada, que se lembra de sua infância, de sua grande amiga, do início do namoro com o homem com quem se casou e que, agora, se vê diante de situações inesperadas. A estória dela, mais do que narrada propriamente dito, é contada pela descrição do emaranhado de seus pensamentos, pelos sinuosos caminhos de suas idéias que chegam e vão e voltam por onde não se espera, pelas sensações surpreendentes que mostram o desenrolar de dores, alegrias, raivas, lembranças, tanta coisa. E a leitura destes caminhos acabam por iluminar e explicitar coisas sobre quem lê, coisas que a gente nem sequer suspeitava ou não tinha coragem de nomear. A partir daí o diálogo está estabelecido, e a gente se surpeende, se espanta em ler nossas emoções e idéias descritas com tal precisão.
Este é um livro pra ler e reler quantas vezes se quiser ou puder. E a cada vez haverá coisas diferentes para se descobrir e para apre(e)nder.
“Que mistérios tem Clarice!” (Caetano Veloso)

O sol também se levanta, Ernest Hemingway (Mai/ 2013 - livros citados em filmes)

Resenha de Ana Britto

Juro que li em algum blog, que não consigo mais lembrar qual era, muito menos achar pelo google, que o filme “10 coisas que odeio sobre ela” menciona este livro de Hemingway. Não vi o filme (ainda) mas guardei a informação e li o livro.
Este é um daqueles livros que fala de uma turma de jovens contemporânea à aquela mencionada no livro “O grande Gatsby” de Fitzgerald. Quer dizer, em ambos os livros a turma é de jovens adultos norte americanos ricos, mas os personagens de Fitzgerald são extremamente superficiais e fúteis enquanto que os de Hemingway são apaixonados com a vida europeia, tão diferente do american way of life, e com uma vontade absurda  de experimentar tudo e viver intensamente.
O personagem principal deste livro, Jake, é uma espécie de alter ego de Hemingway: escritor, mulherengo e apaixonado por touradas e lutas. Ele ama Brett, uma mulher livre  e liberada, que embora retribuindo seu amor, prefere ter um noivo rico e dócil, submisso à sua vontade. Isso até ela ser totalmente dominada por uma paixão avassaladora por um outro homem, o jovem toureiro estrela da hora naquela temporada. A narrativa daqueles dias em Pamplona e arredores, na Espanha, as festas, as bebedeiras, os amores e as touradas fazem deste um livro bem interessante.
São estes jovens, artistas ou não , não importa a época que vivam, naquela ânsia  de nada perder, de ir fundo nas emoções, acabam por empurrar os limites da vida social e dos comportamentos estabelecendo vanguardas que tempos depois passam a fazer parte normal da vida em sociedade.