terça-feira, 27 de agosto de 2013

Moby Dick, de Herman Melville (Ago/2013 - Vingança)

Resenha de Moby Dick – Herman Melville
Por Débora Paias
A princípio, iniciei a leitura de Moby Dick achando que essa seria minha escolha do Desafio Literário para o mês de animais como protagonistas. Mas, no decorrer da história, acabei constatando que seria mais apropriado encaixá-lo no mês da vingança.
Primeiro, vou falar um pouquinho do enredo, para depois explicar por que acho que Moby Dick, entre muitas outras coisas, é uma história sobre vingança.
O livro inicia-se com uma coleção de excertos de diversas fontes sobre a baleia, ou Leviatã. Tudo isso serviu para aumentar o clima de mistério e, por que não dizer, terror ao redor da figura da temida baleia branca. A história é narrada por Ishmael, um marinheiro que faz suas viagens pelo simples prazer de fazê-las, por gostar de estar no mar. Logo no início do livro, ele trava conhecimento com um “selvagem” chamado Queequeg, e eles acabam se tornando amigos (da maneira estranha como isso é possível).
Juntos, Queequeg e Ishmael embarcam no Pequod, a princípio um típico navio de caça baleeira. O navio zarpa, mas só depois de dias que o capitão sai de sua cabine. O capitão Ahab é denominado no próprio livro como monomaníaco, transformando o que seria uma viagem normal de caça às baleias numa perseguição feroz em busca de vingança contra Moby Dick, que lhe amputara uma perna.
A estrutura do livro é digna de atenção. Dos 135 capítulos, Moby Dick só aparece efetivamente nos últimos três. Todo o resto da história gira em torno desse navio, sua tripulação e suas caças usuais. Entretanto, Melville cria um clima atemorizante em torna de Moby Dick e das baleias como um todo, intercalando capítulos de enredo com outros de análise da fisiologia das baleias, de suas representações nas artes, de seu método de caça e retirar óleo... Enfim, de tudo o que possa ter a ver com as baleias. Em um capítulo, aparece o “Jato Fantasma”, um jato ao longe indicando a possível presença de Moby Dick. Em diversos outros, o Pequod encontra outros navios baleeiros, e a pergunta é sempre a mesma: “Vistes a baleia branca?”. Tudo isso culmina nos últimos três capítulos, três dias de caçada à baleia. Bom, essa estrutura parece bastante, como já vi citado, com a de um filme de terror, no qual o monstro não aparece propriamente, mas vai-se criando um clima de expectativa e medo em torno dele. Essa estrutura me fez gostar ainda mais do livro.
Mas por que acho que Moby Dick é um livro de vingança? Por causa da loucura do capitão Ahab. Ele quer perseguir Moby Dick a todo e qualquer custo e, o pior, convence toda a tripulação a juntar-se a ele nesse intento insano. Para exemplificar, eis um trecho no capítulo 44, “A carta”, que fala do capitão Ahab e de seu desejo de vingança:
Deus, que transes de tormentos suporta o homem consumido por um incomensurável desejo de vingança! Dorme com os punhos cerrados; e acorda com suas próprias unhas sangrentas cravadas nas palmas das mãos.
Também acho muito interessante o capítulo 46, “Conjecturas”, que explica porque, apesar de sua perseguição monomaníaca a Moby Dick, Ahab pretende continuar mantendo o propósito original da viagem, ou seja, caçar as baleias como um todo.
Talvez seja discorrer com excesso de sutileza, mesmo levando em conta sua monomania, insinuar que seu desejo de desforra contra a Baleia Branca pudesse ter se estendido, em certa medida, a todos os cachalotes, e que quanto mais monstros ele matasse tanto mais multiplicaria as possibilidades de que cada baleia encontrada subsequentemente fosse a odiada que ele perseguia.
O homem não é louco?
Já no capítulo 64, “A ceia de Stubb”, depois da captura de uma baleia comum, Ahab está descontente.
Ainda que, na supervisão da captura dessa balei, Ahab tivesse demonstrado sua habitual diligência, por assim dizer; agora que a criatura estava morta, um certo desprazer, ou impaciência, ou desespero, parecia dominá-lo; como se a visão daquele corpo morto o fizesse lembrar de que Moby Dick restava ainda por matar, e mesmo se milhares de outras baleias fossem levadas ao seu navio, isso em nada o ajudaria em seu grande e monomaníaco propósito.
Ahab está tão loucamente focado em sua missão de matar Moby Dick, que ignora o pedido desesperado do barco Rachel (no final do livro) de ajudar no resgate de alguns marinheiros perdidos. Para mim, esse é o capítulo mais bonito do romance.
Consegue o capitão Ahab satisfazer seu desejo de vingança? Bom, isso é algo que não posso revelar. Posso dizer que Moby Dick é um clássico lindo, bem profundo, cheio de metáforas... Para quem não tiver tanta paciência, ler um bom resumo já seria ótimo (o original pode ser bem grande e cansativo em algumas passagens).
O que simboliza Moby Dick? Segundo D. H. Lawrence, nem mesmo Herman Melville sabia. Para mim, Moby Dick simboliza nossos medos, nossas frustrações, nossos erros; o que nos prejudicou e que agora queremos de volta; aquela que engoliu nossa perna, a qual perseguimos desesperadamente de volta. Mas ela também é sublime e grandiosa, tem sangue quente: sentimos a baleia mais do que humana. Talvez eu esteja errada, talvez tenha bem mais aí do que eu enxergo, mas foi isso que senti.
Para finalizar, um trecho que gostei em especial (do capítulo 74, “A cabeça do cachalote – um exame comparativo”):
Não é curioso que um ser tão imenso quanto a baleia veja o mundo com um olho tão pequeno, e escute o trovão com um ouvido menor do que o de uma lebre? Mas se seus olhos fossem tão grandes quanto as lentes do grande telescópio de Herschel; e seus ouvidos tão amplos quanto os pórticos das catedrais; teria por isso um alcance maior da visão ou ficaria com o ouvido mais apurado? De modo algum. – Por que, então, você procura “ampliar” sua mente? Aprimore-a.