É
engraçado que, tentando escrever uma resenha sobre um livro que dá
tanta importância e beleza às palavras, elas faltem e se evaporem com
tanta facilidade.
A Menina que Roubava Livros é inexplicável. Um livro que todos
deveriam ler, sem sombra de dúvida. Um livro que encanta pelo enredo,
pelos personagens, pela poesia escondida em cada frase...
Talvez
o que eu deva mencionar primeiro seja que a Morte é a narradora. Isso a
princípio parecia bem mórbido, mas acaba não sendo. Essa narradora é
fantástica, emprestando à história um ponto de vista totalmente
diferente de qualquer coisa que você já tenha visto. O jeito como as
coisas são contadas tem um ar diferente. E ela é a maior contadora de spoilers
do Universo! No meio do livro, grandes partes do final são reveladas
assim, sem mais nem menos. Mas, incrivelmente, você fica surpreendido no
final mesmo assim.
A
estrutura do livro se dá com um prólogo, dez partes e um epílogo. As
partes são os nomes de livros que são de grande importância para a
roubadora de livros, Liesel Meminger. O prólogo mostra como a Morte
encontrou Liesel por três vezes. Aliás, a Morte tende a associar cada
vez que chega a uma pessoa com uma cor. Assim, as três vezes que ela
encontra Liesel são associadas ao branco, ao preto e ao vermelho,
montando uma bandeira... a nazista.
Para
mim, em A Menina que Roubava Livros, há sete personagens principais.
Vou tentar falar um pouco sobre cada um e assim explicar o enredo.
A Morte
– ela é uma mistura perfeita do narrador distante da ação, onisciente, e
ao mesmo presente, passeando pelos personagens, revelando suas ideias e
pensamentos, levando os que amamos... É ótima em interromper a
narrativa com “fatos”, “notas” e “estatísticas”. Em suas próprias
palavras:
Por favor, confie em mim. Decididamente, eu sei
ser animada, sei ser amável. Agradável. Afável. E esses são apenas os
As. Só não me peça para ser simpática. Simpatia não tem nada a ver
comigo. (...) A pergunta é: qual será a cor de tudo nesse momento em que
eu chegar para buscar você? Que dirá o céu?
Liesel Meminger –
a “roubadora de livros”. Liesel começa o livro com dez anos, sendo
levada junto com seu irmãozinho por sua mãe para morar com pais adotivos
em uma cidadezinha chamada Molching. No caminho, entretanto, seu irmão
morre (onde a Morte encontra Liesel pela primeira vez). No enterro do
menininho, um dos coveiros deixa cair um livro, “O Manual do Coveiro”, e
Liesel o pega. É seu primeiro roubo. Com o passar da história, as
palavras continuam a ter um efeito em Liesel, cada vez maior. Liesel
escreveu:
Odiei as palavras e as amei, e espero tê-las usado direito.
Hans Hubermann – o
“acordeonista” e o “cumpridor de promessas”. É o pai adotivo de Liesel.
Quando ele percebe que a menina tem pesadelos devido à morte do irmão,
senta-se ao seu lado por madrugadas inteiras e ensina-a a ler. Foi Hans
quem ensinou Liesel a amar as palavras primeiro. Ele é pintor, mas
também toca seu acordeão. Acho que nada melhor para descrever Hans do
que algumas palavras da Morte:
Em
1933, noventa por cento dos alemães manifestavam um apoio resoluto a
Adolf Hitler. Isso deixa dez por cento que não o manifestavam. Hans
Hubermann fazia parte dos dez por cento. Havia uma razão para isso.
Rosa Hubermann – a “roncadora”. É a mãe
adotiva de Liesel. Inicialmente um pouco assustadora por xingar tudo e
todos, mas com um excelente coração. De personalidade forte, mas doce e
corajosa ao mesmo tempo, Rosa é uma personagem inesquecível.
Ela possuía a habilidade singular de irritar quase todas as pessoas que encontrava. Mas realmente amava Liesel Meminger.
Rudy Steiner – o
“maluco que se pintara de preto e derrotara o mundo inteiro” e “Jesse
Owens”. Rudy tem olhos azuis esbugalhados e cabelos tão amarelos quanto
limões. Ele demonstra toda sua personalidade logo no início do livro,
implorando um beijo de Liesel. Ela retribuiu xingando-o de Saukerl
(aprendido, sem dúvida, de Rosa). Eles jogam futebol, roubam comida e
livros, xingam um ao outro, aprontam na Juventude Hitlerista, xingam
mais um pouco, e por aí vai...
UMA COISA PIOR DO QUE UM MENINO QUE DETESTA A GENTE: Um menino que ama a gente.
Max Vandenburg – o
“lutador”. Amava briga de rua na infância. Aos 24 anos, teve de se
esconder dos nazistas, por ser judeu. Uma velha promessa e um acordeão o
atam aos Hubermann e a Liesel Meminger. A relação que ele trava com
essa família é de arrepiar de tão linda. Sua atitude com relação à Morte
e o próprio julgamento dela quanto a isso são inesquecíveis:
- Quando a morte me pegar – jurou o menino -, vai sentir meu punho na cara.
Pessoalmente, gosto disso. Desse heroísmo idiota.
É.
Gosto muito disso.
As palavras
– sim, eu acho as palavras personagens importantíssimas do livro. Por
quê? Porque, sem o jeito maravilhoso como elas se mexem pelas linhas, a
história simplesmente não seria a mesma. Porque elas transformam a vida
de Liesel de forma inimaginável. Porque elas confortam durante
bombardeios. Porque fogueiras com livros parecem assassinatos. Porque
palavras são escritas em lixas de parede e nas paredes de um porão.
Porque histórias lindas brotam das páginas pintadas de Mein Kampf.
Porque um bando de fanáticos não consegue destruí-las.
Markus
Zusak é o autor dessa obra de arte, nas suas mãos as palavras são
colocadas de maneira quase que mágica. O livro tem poesia, conforme meus
olhos foram percorrendo as linhas, pude ver as palavras correndo,
parando abruptamente, dançando, sorrindo, chorando e gritando. Para quem
gosta de colecionar frases (que é o meu caso), é preciso ter cautela,
se não pode acabar copiando quase toda a obra.
Se
você ler esse livro, vai ver as reflexões da morte sobre os humanos, as
confusões de Rudy e Liesel nas escolas nazistas, o medo de Max e dos
que o amam, o poder dos livros, como o povo alemão também sofreu com a
guerra e muito mais. É um livro para pensar, rir e chorar.
Enfim, para resumir...
“Quando a Morte conta uma história, você deve parar para ler.”