terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Quase memória, de Carlos Heitor Cony (Jan/2013 - Tema Livre)

Por muito tempo fui assinante da Folha de São Paulo e foi lá que conheci Carlos Heitor Cony quando ele passou a escrever suas crônicas no mesmo espaço em que Otto Lara Resende escrevia. Cony foi e é um substituto à altura de seu predecessor e gosto muito de seu texto. Mas nunca tinha lido nenhum livro dele, este foi o primeiro e me tocou muito. Porque é o relato de um relacionamento rico, amoroso, complexo e fundamental, como são sempre os relacionamentos  de pais e filhos. E ao mesmo tempo em que sentimos o amor de um pelo outro e  nos maravilhamos com a singularidade da vida de cada um, percebemos que a memória e as lembranças também servem para fazermos um balanço e um acerto de contas. O pai foi pra Cony um gigante duro, exigente, mas foi também seu professor e herói e o filho se constitui em sua platéia predileta, além de cúmplice e colega de profissão.

Num tempo em que não se falava em “home schooling” (educação em casa em vez de na escola) o pai (que também era professor) se dispôs a dar aulas para o filho para que pudesse prestar o exame de admissão ao seminário, onde o filho queria estudar para ser padre. E foram aulas de todas as matérias do antigo nível primário (antigo primeiro grau, hoje acho que é ensino fundamental, os quatro primeiros anos somente): portugues, redação incluído, matemática, história, geografia e até atividades extra curriculares como excursões ao Morro do Sumaré e ao Circo Sarraceni.

O pai foi jornalista e a certa altura da vida, quando, por questões de saúde não pode mais exercer a profissão, o filho o substituiu oficiosamente, pra todos os efeitos, o serviço ainda era feito pelo pai, que só comparecia para receber o salário a que tinha direito. O filho assumiu deveres do pai em relação à vida profissional e financeira e conheceu segredos pessoais quando teve acesso ao seu local de trabalho, através da convivência com os colegas do pai.

O filho conta de uma viagem feita muitos anos depois da morte do pai, quando numa curva viu a indicação de um castelo e  tomou aquela direção imediatamente porque se lembrou de uma das estórias do pai falando daquele lugar. Num tempo em que não havia internet, nem google earth, nem wikipedia, o pai era capaz de descrever lugares que lhe interessavam como se ali estivesse, como se de fato os conhecesse, quando na verdade, nunca tinha colocado os pés lá, o que foi constatado pelo filho naquele castelo, perto de um lago.

Acredito no poder transformador da arte e, mais uma vez, pude comprovar isto com este livro, que me fez pensar em meu pai e no legado que deixo para meus filhos. Porque, na verdade, de alguma maneira, os filhos carregam seus pais consigo. E isso pode ser bonito.
 

Por Ana Britto

2 comentários:

  1. Uau! Essa resenha me tirou o fôlego. Me fez querer ler este livro!

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  2. que legal, xcamilaxy! Tomara que voce aprecie o livro tanto quanto eu apreciei.
    Bj!

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